23. Livros; o fim de tudo; palavras e hábitos ruins; espiritismo; uma fábula fabulosíssima; finados
Antes cedo do que mais cedo
Dia desses aí foi o tal Dia Nacional do Livro.
Dia que, em matéria de popularidade, só ganha do Dia Nacional da Honestidade.
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O leitor, no Brasil, é o que o Mussum e os funkeiros cariocas chamam de avis rara. O amigo é uma ave dessas, dado que me lê, e aposto que já ganhou no Natal ou em amigo-secreto algum romance psicografado, ou algum Chic Bruaco, sob a alegação “Então... como eu sei que você gosta de livros...”.
Pro brasileiro, dar livro de presente é mais fácil do que dar meia. Para dar meia, afinal, é preciso saber o tamanho do pé de quem vai ganhar.
Já livro, caramba, livro é livro. É ou não é?
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Da primeira vez que ouvi Caldinho e Pancetta no rádio, pensei: bom, agora sim, é o fim de tudo.
Depois o mundo foi em frente, justificando de novo o que dizia o Rubem Braga: o pessoal é muito afobado.
Eu fui muito afobado. O Brasil é um fim de tudo in the making.
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Do mesmo modo, da primeira vez que, em algum shopping center, vi a expressão praça de alimentação, pensei num lugar cheio de cochos: gente de avental vinha com panelões despejar neles a comida, e as pessoas se ajoelhavam para enfiar a cara neles.
Não sei como os restaurantes e lanchonetes ainda se chamam restaurantes e lanchonetes, e não alimentadorias.
Bom, também fiquei meio incomodado quando descobri que na Argentina chamam a sala de jantar de comedor.
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Outra palavra que é muito mal usada – o amigo me desculpe, mas é – é ritual. Hoje nego chama de ritual até o banho que dá no cachorro.
Ora, vá à missa.
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Formo entre os que não vêem com muita simpatia esse negócio de halloween no Brasil.
Mas o diabo é que eu ia gostar, quando era moleque, de pedir doces nas portas das casas e, sim, de ganhá-los.
Na verdade, eu gostaria ainda hoje, agora mesmo.
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Inclusive eu acreditaria no espiritismo se Alfred Hitchcock, ao incorporar, pedisse bolo (ele dizia que cinema, para ele, não era um pedaço da vida, mas sim um pedaço de bolo; e se rodeava de loiras também).
Ou se houvesse médium que gostasse de Alfred Hitchcock. Não sei por que, acho que eles só gostam de Mazzaroppi e Chaplin.
E de escritores que mandam mensagens.
Dá para imaginar um médium psicografando, digamos, Wodehouse? Ou Max Nunes? Ou Ivan Lessa? Claro que não. Mas Richard Bach e, a seu tempo, Paulo Coelho sim.
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Fábula fabulosíssima, à maneira do Millôr.
Chegou o blogueirinho à beira do riacho e pôs-se a beber água. Eis que surge o miníxtro faminto e, já lambendo os beiços, lhe pergunta em seu português peculiarmente castiço:
– Que fazes tu aí?
– Tô bebendo água – respondeu o blogueirinho.
– E quem te deu permissão – perguntou o miníxtro, aproximando-se, sobrancelhas frementes – de vir, com teus lábios, tornar antidemocrática a água que beberei?
– Peraí – respondeu o cordeirinho. – Talvez a água fique antidemocrática, talvez não. Mas vosselênça está rio acima. A água democrática corre daí para cá.
Ao ouvir isso o miníxtro sorriu. Era verdade, era verdade, dele é que minava a água democrática. Mas sacudiu a cabeça, fechou a cara e, franzindo a testa vasta, se achegou mais.
– Não é só isso. Semana passada, falaste mal de mim no teu podcast.
– Perdão, selênss, mas não tem como: sou blogueiro. Não tenho podcast.
– Bom, se não foi você – disse o miníxtro, sacando uma Montblanc falsificada na China –, então foi o Alã. Ou o Hollavo.
E, nhac!, assinou o mandado.
Moral da história: a moral tem dono, mas não é a história.
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Não tenho o hábito de ir ao cemitério em dia de finados. Meu pai e minha mãe não iam; outros parentes, não sei o que faziam. Com o tempo, começou a me parecer coisa mórbida. A afluência aos campos santos hoje mostra (já mostrou mais) que muitos pensam e sentem diferentemente.
Bem: há algum tempo descobri a existência de uma sociedade purgatorial relacionada ao blog tradicionalista católico Rorate Caeli. Essa sociedade conta com certo número de padres que rezam missas pelas almas no rito romano hoje chamado de extraordinário, o tridentino. Os que quiserem inscrever nessa sociedade as almas dos seus entes queridos cliquem aqui (está em inglês) e sigam as instruções:
https://rorate-caeli.blogspot.com/2020/02/reminder-rorate-caeli-purgatorial.html
Nos vemos, se vivos, semana que vem? Sim, nos vemos.
Mas, Orlando, tu não sabias que os restaurantes do Sesc são justamente chamados "comedorias"? Realmente, o pessoal é afobado mesmo.