28. Google e praças - lembranças do Rio - madureza - touradas - Jacob do Bandolim
Mas e Omar do Pandeiro, houve?
O tempo das dúvidas vai-se acabando: hoje há pouca coisa que não possa ser descoberta via Google. Veneno caseiro para praga de jardim, a data da Revolução de 30, o nome do primeiro técnico do Palestra Itália, como fazer uma parede de taipa de pilão: tá tudo lá, são pesquisas (não pergunte) que eu mesmo fiz, e que foram respondidas.
Ora, somos humanos, e portanto birrentos e enjoados, e daí que às vezes a gente se irrita de ficar googlando tudo e mais um pouco, e se permite – se concede, como dizem os astros da MPB – a alegria perversa de uma ignorância. Um “quer saber? Não quero nem saber”.
Agora, por exemplo: diante da notícia de que fecharam o hotel Maksoud Plaza, onde nunca entrei aliás, e em cuja frente passei duas, no máximo três vezes, me concedo a alegria de não ir perguntar ao Google de onde veio esse negócio de chamar hotel de praça.
Na minha ignorância voluntária, fico com uma fantasia em torno de um americano que não fala espanhol, uma tourada e um pulgueiro em Puebla.
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Fui ao Rio de Janeiro duas vezes, sempre a trabalho, nunca por folia ou turismo.
A primeira foi em 1990. Fiquei um dia, fiz uma vistoria num prédio ainda em construção na Avenida Chile. Foi em setembro; o calor já era medonho. Vi um bando de moleques de rua, meninas de escola atravessando a Presidente Vargas com uniformes que me pareceram dos anos 60, o Cristo escondido por brumas e uma igreja em forma de pirâmide. O garçom do restaurante em que almocei era o mais malcriado que já vi na vida, e fiquei com uma impressão ruim dos garços cariocas, que acabou na segunda visita.
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A outra vez foi no ano 2000. Passei 56 horas no ar, sem dormir, trabalhando como um doido. Daí que um certo ar de sonho ou de delírio embeba algumas lembranças. Por exemplo: as luzes da Rocinha indo e vindo no escuro conforme o carro fazia curvas pela avenida, lembrando a Estrela da Morte; os gritos no túnel debaixo dela; a bruma nas areias da praia, na Barra da Tijuca; o sol da manhã na rua Otaviano Hudson; uma marcha à ré a cem por hora na Tonelero; um passeio a pé por Botafogo me perguntando onde diabos ficaria General Severiano (eu gosto muito do Botafogo); um hambúrguer sem gosto num Bob’s da Praça Cardeal Arcoverde; metrô com trens feios e estações bonitas; uma rua que terminava numa montanha.
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Das horas que passei bem acordado lembro que a filial da firma ficava num prédio redondo, no mesmo quarteirão do palacete da ABL (não vendem pastel para fora). Da janela do escritório se via, creio, o Corcovado, e eu pensei que ser infeliz no Rio, ser infeliz naquela paisagem, deve ser muito pior do que ser infeliz em São Paulo (mas não tão ruim quanto ser infeliz em Tóquio ou em Belém do Pará, que é a cidade mais deprimente que conheço).
Não muito longe ficavam a Cinelândia, uma filial colossal das Lojas Americanas, o Teatro Municipal (muito mais imponente do que o daqui) e a Avenida Rio Branco. Vagabundeei por ali numa hora de almoço, e não sou capaz, enquanto escrevo, de refazer de cabeça o caminho que segui.
No ano 2000 o centro do Rio parecia ao estranho, ao leigo como eu, menos destruído do que o de São Paulo. A impressão que me causou, e que tem sido também duradoura, era a da Avenida Ipiranga daqui no final dos anos 70, começo dos anos 80 – o centro de São Paulo no começo da minha adolescência. Uma sensação boa.
Almocei muito bem no Catete, no que foi a grande (porém despercebida) redenção dos garçons.
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Quando demos a ré maluca na Tonelero (não foi por razões de crime; estávamos todos bêbados), eu ficava me perguntando: onde foi que deram o tiro?
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Uma amiga carioca me dizia: “É impossível se perder no Rio, porque a geografia sempre te diz onde você está”.
Outro amigo carioca dizia que dá para fazer tudo a pé no centro do Rio, e perguntava, para perplexidade minha e dos demais paulistanos à mesa, se aqui era possível fazer a mesma coisa.
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Amadurecer é, entre muitas outras coisas, assimilar a dor de ver raiva, indiferença, impaciência num rosto bonito que antes lhe mostrava, não digo amor, que é palavra às vezes excessiva, mas interesse, simpatia carinhosa, alegria, amizade agradavelmente desandada em bagunça.
Hoagy Carmichael passou por isso, sobreviveu, e passou muito bem depois (exceto quando era primavera; aí…).
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Uma conversa de tuíter iniciada pelo Claudio Shikida e continuada pela @AureaSophia1 me ensinou que a praça paulistana hoje chamada da República já se chamou Largo dos Curros, o que quer dizer que ficava próxima, senão anexa, ao lugar onde se faziam touradas ou corridas de touros:
Disso disse o Alexandre Soares Silva, que também estava na conversa, que agora podemos andar na Praça da República imaginando fantasmas de toureiros. E o de Ava Gardner, que gostava de estar onde toureiros estavam.
E agora me ocorre que onde a Ava vai, o Frank vai atrás. Daí que o amigo, se ousado for (e é, não é?), pode arriscar romanticamente a vida caminhando pela praça da República nalguma madrugada, esperando ouvir o espectro do blue eyes olhando a lua e dizendo que I get along without you very well.
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Será que a Praça da República já teve uma pensão chamada Curros Plaza?
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Para continuar lembrando do Rio, amigo, lhe ofereço este choro de Jacob do Bandolim (só no Rio um judeu fez choro de bandolim) chamado Noites cariocas, que é muito bonito e que, inexplicavelmente, me lembra da infância.
Nos vemos? Nos vemos.