Estava lembrando aqui da desgraça que era trocar a fita de máquina de escrever. De como a gente se enfurecia para espetar a ponta da fita na bobina que ficava fixa na máquina, depois de tê-la passado, úmida e escorreguenta, por aquelas presilhas que ficam atrás do cursor onde os tipos batem, e como nunca dava certo e a gente acabava tendo que dar nela um nó, ficando com dedos e unhas sujos pra valer, sujos de não limpar completamente nem no banho. E o cheiro forte da tinta também demorava a passar.
Mas depois, quando você começava a bater e via a cor fresca e nova sobre o papel, bom, aí você ficava muito feliz.
Cheguei a usar máquina de escrever no meu trabalho, em plenos anos 2000. Consistindo o serviço principalmente em escrever – é isso o que faz em geral a administração pública: gera palavras – e estando os computadores quebrados, havia Remingtons e IBMs elétricas; a luz faltando, pimba, lá íamos nós para as velhas Olivettis e Royals mecânicas. Quando digo “velhas”, uso o termo em toda a sua propriedade, em sua plena acepção. Tipos falhando, carros correndo mal, tabulação encrencada, alavancas travando, fitas velhas. Mas, tudo somado e toda a paciência posta à prova, os documentos públicos eram produzidos e a máquina (o sistema) andava.
Uma das graças dos documentos datilografados é que eles são cheios de “digo”. É que não se admitem rasuras, não se cobrem as palavras datilografadas erradamente com XXX, e nem se pode usar corretivo. Assim, se você datilografou “Execlentíssimo”, deve emendar-se datilografando “digo, Excelentíssimo”. E assim com tudo o que é erro.
Ainda há uma máquina à minha disposição profissional, mas a melhoria dos computadores e o advento dos no-breaks praticamente a inutilizaram; deve ter mais poeira em cima dela do que na biblioteca presidencial. E a fita deve estar mas seca do que a alma dos progressistas. Mas está lá, à disposição, qual o velho jardineiro adormecido diante do fogão nas velhas casas senhoriais, pronta para quando, e se, o a-s-d-f-g ç-l-k-j-h se fizer necessário. Velha guerreira.
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Uma foto da Jorojonja cobrindo (propositadamente mal) um sorrisinho com a mão enquanto o Layla, no velório do Papa, peida com a perna direita meio erguida, qual cavalo, apresentada num telejornal por uma jornalista com ar enternecido e falando que era “momento informal”. Em breve, naquele canal lá.
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O advérbio mais amado pelas pessoas que gostam de socialismo, comunismo ou sefodeaísmo, é “historicamente”.
Bem, historicamente, toda tentativa de aplicar o socialismo dá na Venezuela: fome e/ou fugas e/ou mortes.
É belo querer melhorar a vida dos que se fodem, mas passou da hora da turma aprender que o socialismo só serve para aumentar o número dos que se fodem.
A propósito, o Brasil está a salvo do socialismo, hoje e para sempre. Pusemos (e repusemos) socialistas no poder e, graças a Deus, não são socialistas: são brasileiros, meros ladrões.
O resto do mundo, porém, é mais sério, e nele, historicamente, a turma sempre se lascou na mão do social. Aprendei, aprendei e vigiai.
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Rei morto, rei posto, diz o ditado. Claro, ditados também se enganam: há rei posto depois de rei deposto, e rei morto ou deposto que nunca é reposto. Quanto aos Papas, monarcas em seus próprios termos, a coisa funciona de modo meio diferente: rei morto, conclave posto.
Morreu o Francisco (Deus receba sua alma) e pois está por começar o conclave que vai escolher seu sucessor. Curioso para saber quem é barbada e quem é azarão nesse páreo, fiz a jornada arriscada de ir espiar a imprensa. E a descubro – a nacional, pelo menos – muito preocupada com a possibilidade de que se escolha para Papa um cardeal “ultraconservador” ou “ultratradicionalista”.
Logo a imprensa nacional, que, fora dessas ocasiões, acha o cristianismo em geral, e o Catolicismo em particular, coisa de pilantras, de retardados e de gente moralmente aleijada. Imprensa que não gosta de fazer sua lição de casa: se a fizesse, saberia que não existem na Igreja nem ultraconservadores, nem ultratradicionalistas.
A ala da Igreja que pode, mal e imperfeitamente, ser chamada de “conservadora”, sem absolutamente nada de “ultra”, é aquela que fecha mais ou menos com as posições de Bento XVI no que concerne à doutrina (sem bênção nem sacramento a casal gay, sem eucaristia para divorciados, nada de aborto e eutanásia, e vamos com calma com esse negócio de ecumenismo, faz favor) e à aplicação razoável e ponderada dos cânones do Concílio Vaticano II – a turma da “hermenêutica da continuidade”. Afora isso, um ou outro gostaria de pôr freio em certas badernas litúrgicas, talvez com uma reforma do rito que ache um meio termo entre o ordinário e o (hoje) chamado extraordinário ou Tridentino. Só isso: ecce conservadorismo.
Aliás, o termo “ultraconservadores” surgiu pela primeira vez na imprensa justamente durante o Concílio Vaticano II, lá por volta de 1963, por via dos “observadores” da “igreja” russa a ele presentes. E foi usado para designar aquilo que (formalmente ao menos) era a Igreja quase inteira, “ultraconservadora” por mais de mil e novecentos anos. Sua reaparição periódica e desassombrada, sessenta anos depois, é uma demonstração duradoura da capacidade maravilhosa da esquerda não somente de pautar a imprensa, como também de definir as palavras que a imprensa usa.
“Ultratradicionalismo” é outra besteira. Existe sim um “movimento tradicionalista” desde 1970, quando Monsenhor Marcel Lefebvre fundou, em Ecône, na Suíça, a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, que o amigo encontrará por aí abreviada como FSSPX ou SSPX. O pleito dos tradicionalistas é a rejeição quase completa dos textos do Concílio Vaticano II, do ordinário da missa que vem vigorando desde sua promulgação por Paulo VI, em 1969, e de todas as modificações posteriores nas consagrações e administrações dos sacramentos (exceto o batismo e o matrimônio), no Catecismo e no Código de Direito Canônico. Por eles, tudo o que aconteceu do Vaticano II em diante seria simplesmente abolido, e a Igreja retomaria o curso interrompido em 1962.
Em 1988, Monsenhor Lefebvre pediu (e não obteve) autorização de Roma para consagrar bispos que mantivessem a Fraternidade. Lefebvre, não sem aflição, ignorou a proibição e, na companhia do bispo de Campos dos Goytacazes, o brasileiro Dom Antônio de Castro Mayer, consagrou quatro padres da Fraternidade como bispos. Roma, furiosa, excomungou todo mundo. As excomunhões foram levantadas por Bento XVI em 2009, mas a Fraternidade permanece suspensa a divinis desde 1976, quando as broncas do Monsenhor com o Concílio começaram a incomodar pra valer.
Não há portanto, quer na Cúria, quer no Colégio Cardinalício, um único religioso tradicionalista, quanto mais da variante imaginária “ultra”. Há simpatizantes, sim: Sarah, Erdö, Ambongo, Berhouet talvez (Burke não), nenhum dos quais disposto a anular os cânones do Vaticano II, e nem a regularizar a situação canônica da FSSPX. No máximo, talvez algum deles queira restabelecer a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei e devolver as facilidades de celebração da Missa Tridentina. E olhe lá.
Não tenhais pois medo, ó Folha de São Paulo; não tenhais medo, ó Globo News.
A imprensa brasileira também teme que o novo Papa, caso ultra, “restabeleça dogmas”, como se a) a imprensa brasileira soubesse o que e quais são os dogmas, b) Francisco tivesse mesmo abolido algum deles, e c) Francisco tivesse sequer o poder de abolir algum deles.
Não, imprensa brasileira: os 43 dogmas, da existência de Deus aos Novíssimos, continuam todos lá, em vigor. Você é que não sabe deles nada de nada.
A propósito, há também quem diga na imprensa que Francisco “universalizou” a Igreja. Ou seja: para esses, a Igreja Católica só ficou “católica” mesmo agora.
Eis a catequese da imprensa.
Quanto a mim e a ti, amigo (se católico você for): a escolha do Papa não é assunto nosso. É coisa do Espírito Santo. Ignoremos as bobagens e as canalhices: quando sair o nome, acatemos filialmente e rezemos, rezemos muito, pelo cabra. Ele vai precisar.
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A morte do Papa Francisco deu uma ressuscitada nas papagaiadas do Nostradamus sobre um “papa negro”, principalmente porque há quem acredite que os Cardeais Sarah e Ambongo, negros de almas firmemente ambrosianas, estejam fortes na briga para ser o novo pontífice.
Eu acho que o grande legado do Nostradamus foi ensinar todos os charlatães seus pósteros a “profetizar” usando palavras e sintaxe que possam ser retorcidos para qualquer lado. Nisso aí ele é pai de tudo o que é buena dicha, vidente, cartomante e cigana deste mundo.
“O alazão das patas gordas sapateará sobre os farrapos coloridos do rei barbudo, e ver-se-á o pranto de muitos.” Pronto, é a Proclamação da República. Ou a morte do Fidel Castro. Ou a falência do Kentucky Fried Chicken.
A sociedade urbana e tecnológica rareou os lotes a carpir e as roupas e louça a lavar, e isso faz a ela um mal que nem te conto, leitor.
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Em tempo: eu gosto e muito do Cardeal Sarah.
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Os títulos do Papa (aprendi agora, lendo um artigo do Roberto de Mattei) são os seguintes: Bispo de Roma, Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Pontífice Supremo da Igreja Universal, Primaz da Itália, Arcebispo e Metropolita da Província de Roma, Soberano do Estado da Cidade do Vaticano, Servo dos Servos de Deus, e Patriarca do Ocidente.
Como tanta gente, escolho guardar de Francisco a lembrança de seus passos solitários e algo penosos sob a chuva e o frio na Praça de São Pedro vazia, em 2020, enquanto se encaminhava, todo de branco, para dar sua bênção urbi et orbi, à cidade e ao mundo.
Ali estava um homem. Com tudo o que os homens têm de viril e demodê.
Como homem (menor, menor) me despeço, não sem antes recomendar ao amigo minha crônica nova na Crusoé. Leia, leia, e quem sabe semana que vem, quando nos encontrarmos, já habeamus Papam. Faça figa (opa).
Meu 1o curso técnico foi de datilógrafo . Sei bem o que passasses. O bom da máquina de escrever é que para não perder tempo com erros, você se concentrava mais no que estava datilografando.
Sempre excelente. Obrigado. Deus te proteja sempre.